Friday, October 07, 2005

Doutor

Sim, é verdade. Vige ainda o Alvará Régio – que imagino que hoje equivaleria a um... Decreto Legislativo remanescente? – editado por D. Maria I, a Pia, de Portugal, pelo qual os bacharéis em Direito passaram a ter o direito ao tratamento de “DOUTORES”.

Porém, confesso que, embora seja profissional da área do direito, embora tenha estudado, embora tenha algum conhecimento sobre alguma coisa, embora tenha passado no exame da OAB na primeira tentativa, entre tantos outros "emboras", não me sinto suficientemente qualificada para me intitular “doutora”. Inclusive quando assim me chamam, me soa muito estranho.

De mais a mais, sempre me vêm à lembrança imagens do ACM discutindo com um outro parlamentar aí cujo nome não lembro, em que ambos se xingavam dos termos mais reles, mas sem jamais deixarem de se tratar pelo pronome de tratamento "vossa excelência". Pois se a mim é dado o direito de escolha, opto por me considerar outorgado o direito a ser tratada com dignidade, enquanto pessoa, e com respeito, enquanto profissional. Isso sim, é difícil. Isso sim, quero ver conseguirem fazer. Porque colocar um “doutora” na frente do meu nome e concluir que com isso demonstrou todo o respeito necessário pela minha pessoa e pela minha formação, sentindo-se, consequentemente, livre para debochar do meu trabalho ou dizer que viu minha mãe na zona, ah, isso é fácil. E eu dispenso.

Em contrapartida, me presto a chamar de "doutor" todos os que quiserem ser assim chamados, independente da aquisição do grau de doutor em instituição de ensino, ou do alvará régio, ou do exame da OAB, ou da prova do CREMERS, ou de o que quer que seja. Se faz feliz o dono da vendinha ser chamado de "doutor", se o gari do DMLU - que terceiriza seus serviços, tomando cooperativas fraudulentas como prestadores em fraude à lei - precisa ser olhado nos olhos e chamado de "doutor", vou ser a primeira a agir assim. Porque essas pessoas, que vivem numa situação desumana e degradante - seu dinheiro está curto? o meu também. imagine o deles - e que ainda acreditam em trabalho honesto, e que pautam suas vidas por valores esquecidos pelos dirigentes que nós elegemos, valores que inclusive nós mesmos muitas vezes deixamos de lado ou questionamos profundamente, essas perpassam, em sua conduta, algo profundamente humano e desenvolvido a nos ensinar. E esse aprendizado não há banco escolar ou diploma de pós-graduação que nos confiram.

Enfim, só quero conseguir fazer meu trabalho e que meu trabalho seja digno o bastante, para mim e para os outros. E sendo parte, advogada, promotora, procuradora, delegada, juíza, serventuária, garçonete, vendedora, recepcionista, secretária, flanelinha ou o que for, me chama de Isabel mesmo, que eu sou só uma pessoa. Como você.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Gostei, doutora.

;^)

9:21 PM  
Blogger Cam Seslaf said...

Eu me acostumei ao "doutora", embora não me sinta merecedora dele. Na verdade, "doutora" me faz sentir meio velha, e só.

11:46 AM  
Anonymous Anonymous said...

Thanks for offering this great service to learn about b b electronics. I have a website about b b electronics which makes me very interested in what you have going here. I think I am going to start up my own blog so I can spread the news! Thanks you are offering this great service!

11:23 AM  

Post a Comment

<< Home