Cem anos de perdão
It cuts your life like a broken knife
Depois de uns cinco minutos ligados o chuveiro elétrico finalmente esquentava, litros e litros de água ralo abaixo. A música vinha do CD player que usava no banheiro - na verdade, que usava na casa toda, depois que ele começara a vender todas as coisas que tinha trazido para dentro de casa, incluindo o super-sonzão vintage que ela adorava, dando-lhe em substituição aquele prêmio de consolação murrinha como quem dá o Santo Graal ao peregrino. Mas ela gostava do óbolo do fariseu, especialmente porque certa feita tropeçara e caíra em cima dele, na pressa de encontrar-se com o amante grande, branco e gordo, que fazia seu sangue ferver em borbulhas nas veias como lava negra. Quebrando a tampa, que nunca voltou para o lugar.
Pele arrepiada envolta em música encontrou uma calidez inesperada nos desencontrados pingos do chuveiro. A água deliciosa e surpreendentemente quente, acolhendo os músculos cansados, algo doridos de carregar fardos pesados. Enrolava-se sob a água, sentindo a carícia e retorcendo-se ao som da música qual stripper, uma stripper já sem nenhuma peça de roupa no corpo e assim pronta para o show. Sempre acreditara que era a trilha sonora perfeita para sexo que se iniciasse suave e despretensioso, revelando-se intenso e exigindo a entrega dos participantes, e dançando ficou no chuveiro, sorrindo e ondulando as curvas bastante pronunciadas sob a água que a vestia.
Era uma canção que evocava sedução, lançada numa época em que tudo parecera possível, e agora, vinte anos passados, perguntava-se: mas e não é? Enquanto dedicava-se ao ritual de amor a tudo o que fora e ao pouco que ainda era, descobria que desejava se despir da água, do suor frio aderindo ao corpo, das lembranças, de tantas esperanças frustradas, do abandono, da dor, do cansaço, do Desejo. Queria despir-se da própria pele, depois da carne, dos ossos, da essência, e perder-se, perder-se indefinida e definitivamente, como a água que o chuveiro tributava para lhe dar algum calor.
Porém, como viver sem o príncipe-monstro de olhos dourados que lhe devorava as entranhas, criava borboletas no estômago e fazia a respiração curta e entrecortada? Haveria um substituto químico para as magias do Desejo? E se houvesse, valeria a troca? Depois de tantas descobertas na última década de vida, de saber como perder-se de si mesma, de encarar todas as facetas do espelho e sair triunfante, não poderia simplesmente abdicar dessa autofagia. Há coisas que, uma vez despertas, não voltam a adormecer.
Passou a procurar seus semelhantes. Encontrava-os pelo cheiro, pelo tom de voz e, especialmente, pelo brilho dourado dos olhos. Sim, eram eles, as mil e uma encarnações do Desejo, rindo de sua fragilidade, antegozando o controle que sabiam que exerceriam. Seu trunfo era saber que não havia como realizar um ataque efetivo sem abrir a guarda, e era esse momento que esperava, cautelosamente. Somente depois da derrota quase mútua e da trégua sôfrega que se auto-impunham é que dispensava ao dono dos olhos dourados o patchwork que restara de si mesma, com uma casualidade e frieza dignas de profissional. Era o ápice, e ela o fazia parecer com mero exaurimento.
Doía. A dor era sua prerrogativa.
E mal se iniciavam os cem anos de perdão.
Depois de uns cinco minutos ligados o chuveiro elétrico finalmente esquentava, litros e litros de água ralo abaixo. A música vinha do CD player que usava no banheiro - na verdade, que usava na casa toda, depois que ele começara a vender todas as coisas que tinha trazido para dentro de casa, incluindo o super-sonzão vintage que ela adorava, dando-lhe em substituição aquele prêmio de consolação murrinha como quem dá o Santo Graal ao peregrino. Mas ela gostava do óbolo do fariseu, especialmente porque certa feita tropeçara e caíra em cima dele, na pressa de encontrar-se com o amante grande, branco e gordo, que fazia seu sangue ferver em borbulhas nas veias como lava negra. Quebrando a tampa, que nunca voltou para o lugar.
Pele arrepiada envolta em música encontrou uma calidez inesperada nos desencontrados pingos do chuveiro. A água deliciosa e surpreendentemente quente, acolhendo os músculos cansados, algo doridos de carregar fardos pesados. Enrolava-se sob a água, sentindo a carícia e retorcendo-se ao som da música qual stripper, uma stripper já sem nenhuma peça de roupa no corpo e assim pronta para o show. Sempre acreditara que era a trilha sonora perfeita para sexo que se iniciasse suave e despretensioso, revelando-se intenso e exigindo a entrega dos participantes, e dançando ficou no chuveiro, sorrindo e ondulando as curvas bastante pronunciadas sob a água que a vestia.
Era uma canção que evocava sedução, lançada numa época em que tudo parecera possível, e agora, vinte anos passados, perguntava-se: mas e não é? Enquanto dedicava-se ao ritual de amor a tudo o que fora e ao pouco que ainda era, descobria que desejava se despir da água, do suor frio aderindo ao corpo, das lembranças, de tantas esperanças frustradas, do abandono, da dor, do cansaço, do Desejo. Queria despir-se da própria pele, depois da carne, dos ossos, da essência, e perder-se, perder-se indefinida e definitivamente, como a água que o chuveiro tributava para lhe dar algum calor.
Porém, como viver sem o príncipe-monstro de olhos dourados que lhe devorava as entranhas, criava borboletas no estômago e fazia a respiração curta e entrecortada? Haveria um substituto químico para as magias do Desejo? E se houvesse, valeria a troca? Depois de tantas descobertas na última década de vida, de saber como perder-se de si mesma, de encarar todas as facetas do espelho e sair triunfante, não poderia simplesmente abdicar dessa autofagia. Há coisas que, uma vez despertas, não voltam a adormecer.
Passou a procurar seus semelhantes. Encontrava-os pelo cheiro, pelo tom de voz e, especialmente, pelo brilho dourado dos olhos. Sim, eram eles, as mil e uma encarnações do Desejo, rindo de sua fragilidade, antegozando o controle que sabiam que exerceriam. Seu trunfo era saber que não havia como realizar um ataque efetivo sem abrir a guarda, e era esse momento que esperava, cautelosamente. Somente depois da derrota quase mútua e da trégua sôfrega que se auto-impunham é que dispensava ao dono dos olhos dourados o patchwork que restara de si mesma, com uma casualidade e frieza dignas de profissional. Era o ápice, e ela o fazia parecer com mero exaurimento.
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