Tuesday, November 22, 2005

Cúmplices

Dia quente, andando pela rua, quase nadando no mormaço desses dias de calor na várzea. Cachorro deitado no colo do dono com carinho na barriga. Pessoas sorrindo sem razão aparente. O gato grande peludo que corre e pega e lambe o gato filhote que não é dele, mas é. E a enxaqueca. E a enxaqueca.

Às vezes parece que acena uma possibilidade - remota, infinitesimal - de cada coisa ir para o seu lugar. Mas e aí, onde é o lugar de cada coisa? As coisas tem um lugar? Eu não sei, eu não sei, e a enxaqueca. A enxaqueca.

E como pode no mesmo receptáculo tanta dor e tanta glória e tanto tanto tudo ao mesmo tempo? E o que esperar da mão, da boca, da tua, da minha, se não há lugar definido, se não há sequer caos, somente a desordem ordenada das coisas estarem onde querem elas e não onde queremos nós? E a dor. A enxaqueca.

E se ora essa mão me afaga, ora me bate, e se te beijo e depois cuspo, e lambo e mordo buscando sangue nas tuas fibras - alguma coisa que aplaque a sede, algo precisa ser aplacado nesse desespero de quase-tudo. Porque quase-tudo é quase-nada e me devoras quase-morta e sei que sou pouca mesmo sem ser pequena e ódio salgado me escorre dos olhos em cristais líquidos que me desidratam. Essa fúria da imensidão toda que não é minha, que não a tenho, que não me pertence, que não a integro. E a enxaqueca.

A enxaqueca. Que é sempre minha. Que é sempre certa. Que sempre machuca. Que nunca vai. Que nunca beija. Que não me abandona. Nunca. Nunca.

A enxaqueca.
A enxaqueca.

A enxaqueca.