Monday, December 06, 2004

Vernis laquer à ongles

Jessé olhava aquelas unhas que cresciam sem cessar. Abriam-se em leque, espalhando-se como se desejassem abarcar tudo à volta. Dora deixava as unhas encompridarem e alongarem e espalharem, sem nenhum cuidado, nenhuma vaidade. Jessé queria que Dora tivesse mais do que aquela vaga doçura e o cheiro de baunilha almiscarada, queria a sua Dora Rainha, com os cabelos penteados, as sobrancelhas pinçadas, boquita pintada e a depilação em dia e as unhas ah! as unhas lixadas e esmaltadas de carmesim escuro. Dora mirava de esguelha, cheia de receio, para estéticas e institutos de beleza. Irritavam-lhe as conversas, os assuntos. Assustavam-lhe os pés de galinha denunciando noites e mais noites aflitas passadas por aquelas mulheres que fizeram da beleza profissão, o cheiro de cigarro das mãos manchadas de nicotina das atendentes, as vozes roucas de quem muito fuma e muito chora no escuro solitário das madrugadas, os cabelos das coiffeuses espigados e meio mortos pelo excesso de tinturas e escassez de carinhos. Aborrecia-se com a necessidade de esperar longamente pelo embelezamento das unhas e depois todos os cuidados com o que quer que fosse fazer com as mãos, para não estragar o esmalte fresco, e depois de seco, para não lascá-lo. Então evitava aquele mundo timburtiano de aparências equivocadas, onde quanto mais lindas tentavam fazer-se as moças, mais e mais se embruxavam.

Veio o dia em que os pedidos de Jessé não eram mais apelos mudos de olhos brilhantes sonhando pele lisa e unhas escarlates. Eram palavras que pediam em voz macia, com a entonação certa, do único jeito que Dora poderia atender sem se magoar. Ele queria unhas cobertas com esmalte, poderia ser qualquer cor! qualquer uma, Dora! queria ver lindos dedos de cor cremosa de Dora terminando em pontas simétricas, coloridas, ajeitadas, deslizando por tudo no seu corpo cheio de pêlos e segredos.

Por dois dias Dora procurou manicures antes do horário de trabalho, como quem não levava muito a sério, como quem pensasse ah sim, se der tempo, vou fazer isso. Após várias recusas, deu-se por vencida e marcou hora, o primeiro horário da manhã. No dia, levantou-se correndo e saiu apressada, decidindo voltar em casa para tomar café e vestir-se para o trabalho. Procurou conversar com a manicure antes que ela lhe propusesse assuntos, perguntando coisas da vida da moça como se fosse uma repórter investigativa ou mesmo uma biógrafa. A vida da manicure era interessante e isso tornou menos enfadonha a sessão de embelezamento. Aguardou o tempo de praxe para secagem do esmalte, sentindo leve irritação e certo contentamento.

Voltando em casa, despertou Jessé. Puxou-o para a frente do espelho de corpo inteiro enquanto ele piscava, estremunhando. Colou-se ao corpo quente que cheirava à cama, enlaçando-o pelas costas e deslizando mãos ornamentadas de unhas carmim-escuro pelos bíceps delineados dos braços fortes. Alisou os pêlos do peito musculoso, descendo pela pelúcia da barriga definida, encontrando mais além fios mais encorpados guardando pele acetinada. Subiu uma das mãos e tocou os lábios de um Jessé agora totalmente desperto. Ele observava tudo, encantado.

Chegou para trabalhar com quatro horas de atraso, um sorriso de sonho nos lábios e nenhuma justificativa.

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