Wednesday, February 08, 2006

Azaftassardendoen

Quando a enxaqueca não basta para que Criatura caia em si que é hora de mandar tudo às favas e sair correndo e gritando desvairada na esperança de que alguém a coloque numa camisa-de-força (aquele design absurdo, uma coisa Gloria Coelho, a desconstrução do sapato enquanto roupa com amarração pra tudo que é lado em tramas naturais, e o melhor, a desculpa perfeita para NÃO TRABALHAR MAIS!) e a jogue num quartinho acolchoado (finalmente um lugar confortável para DORMIR, for lóve, e com design Campana Capitoné, um luxo) o corpo fala, o corpo diz: AFTA!

O popular 'sapinho' vem e se instala na mucosa bucal de Criatura numa fúria somente vista em surtos de herpes zoster, tornando o delicioso ato de alimentação uma tortura. A sorte (pouca) é que Criatura não tem o complemento nefasto do dito popular, então a coisa fica ali pela boca mesmo. Como o mal-estar nunca vem desacompanhado, e em se tratando de afta, menos ainda, há toda uma revoluteação gástrica acompanhando Criatura, como se todo o aparelho digestório tivesse resolvido virar um enorme caleidoscópio. De vísceras. Nem Clive Barker, amigo. Nem ele.

Haja bicarbonato de sódio, água gelada, malvona e malvatricin e a Santa Panacéia Estomacal, Coca-Cola.
Arre.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

No coletivo, o gurizinho mais lindo, de boné desbotado, chinelinhos de dedo, calção roto e sem camisa, com cílios longos e olhos oblíquos que lembravam um amor muito antigo e muito amado. Trazia o braço numa tala - e essa que vos escreve logo pensa em abuso domiciliar -, sentadinho no colo de uma mãe muito carinhosa. (Ou era acidente mesmo ou o preço do carinho anda cada vez mais estratosférico - e o próprio, de pior qualidade.) Ele sorria para mim e íamos tendo nossa conversa muda. Até que a mãe o chamou: "Eduarda!".
Às vezes, parece que caí numa mistura pouco homogênea de Dogville com In the mouth of madness.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Se vai embora e não mais, não preciso viver todos esses os dias com a perda. Fica a lembrança estancada, com o curativo ali muito bem colocado por cirurgião preciso e eficiente, e se limpa e se cuida até que fique só a cicatriz. No reencontro, haverá tecido cicatricial róseo e uniforme que poderá ser cutucado apertado beliscado esbofeteado. Até acariciado! O que não posso é as nossas feridas abertas, o sangue escorrendo manso e se encontrando no chão e o conhecimento inevitável de que aquilo será o máximo de união que teremos de agora em diante.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Hoje, a moça bonita da loja perguntou se eu era daqui. Vários pensam que sou do norte ou do centro-oeste. (Por que, hem?) Outros pensam que vim do interior do estado. Todos errados: sou de parte alguma. É que os liames machucavam demais minha cobertura muito fina de cambraia pele-de-ovo. Decidi cortar os fios que me ligavam ao titereiro. Agora, o alívio e a dor de não pertencer a nada. (o curioso é que não consigo me acostumar a eles.)

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Tenho cozinhado. Com manjericão fresco. Tomates frescos. Carne. Penne grano duro.
É o tipo de amor que conheço.

(Facilite um pouco as coisas para mim, bwana. Fale meu língua. De preferência, sem aftas.)