Tuesday, October 05, 2004

Flávia Exímia

Ele estava no banho. Ensaboava aquele corpo que estivera horas e horas em contato com o seu, em práticas nada ortodoxas e perfeito êxtase. Sorria, feliz. Os olhos passeavam pelo quarto. A cômoda. A janela. O cabide de roupas. A poltrona de chenile dourado. A mesa de cabeceira. O celular.
Dele. O celular dele.
Toda a vida dele, ao alcance dos dedos. Seus segredos mais secretos. Sua agendinha de amantes. Os nomes! Os números! Não devia, mas pegou. Não resistiu.
Descarga de adrenalina, coração acelerado de quem sabe estar fazendo o que não deve. Agenda. Mostrar. Apertando setinhas, nervosa, quantos nomes! quantas meninas! Adriana, Ana Carla, Ana Lucia, Ana Paula, Anelise, Anelise, Anelise (puxa, três Anelises!) Barbara, Beatriz, Bianca, Bibiana, Eliana, Fabiana, Fernanda, Fernanda, Fernandinha (agh!), Flavia, Flavia... Flavia Eximia.
Exímia?
Meu Deus. Tinha uma mulher exímia na agenda de telefones dele. Mas exímia em quê? Em quê? Ora, para constar em agenda de celular de homem, ainda mais homem gostoso, cheiroso e incansável como aquele, só podia ser exímia numa coisa: nisso mesmo.
Mas em que será que a desgraçada era exímia? Qual das artes do amor teria ela aperfeiçoado até a eximitude? Seria exímia em pé ou deitada? Exímia na cama, na mesa ou no banho? Exímia com as mãos? A boca? A barriga? Os pés? Puxa vida, muito pior do que ter duzentos e vinte e dois telefones de mulher na agenda do celular era ter um deles acompanhado desse adjetivo, "exímia". Não precisava mais nada! Era a favorita do harém! A rainha de sabá daquele homem! Pois qual o macho heterossexual nesse mundo não cairia de amores por uma mulher exímia? Qualquer um! Qualquer um, mesmo!
Cessou o barulho de água caindo no box do banheiro. Hm. Deve estar saindo do banho. Melhor botar esse treco de volta no lugar. Assim. No silencioso. Teclado protegido. Isso.
Largou o celular dois segundos antes de ele entrar no quarto.
- Oi!
- ... Oi.
- Agora tô novo em folha! Até posso começar tudo de novo.
- ... Ah.
- Vem cá...
- Ah. Não. Vou tomar banho.
- Não vai não. Vai daqui a pouco. Vem cá... vem...
- Tá. Vou. Mas com uma condição
- Qual?
- Preciso contar uma coisa.
- ... Conta
- É uma coisa muito importante.
- Xii....
- Amor.
- ... Fala.
- Eu mexi no seu celular.
- (rindo) E por que você fez isso, minha enxeridinha?
- (braba) Não tem a menor graça!
- (rindo mais ainda) Mas por quê?
- Quem é Flávia Exímia?
- Hã?
- Flávia! Flávia Exímia! Tá aqui, ó! Nesse celular! O nome dela, Flávia, e depois, "Exímia"! Quem é essa "exímia"? Exímia em quê, posso saber?

Lágrimas escorriam aos borbotões.
Primeiro ele sorriu. Depois gargalhou. Abraçou-a.
Flávia era a gerente de RH. Exímia era a empresa de headhunters onde ele tinha deixado currículo. Ele não sabia quais seriam as habilidades de Flávia, e não estava curioso. Queria é saber quanto tempo mais ela poderia ficar na cidade e se eles se veriam à noite. Não acreditou. Mas tudo bem. Não é todo dia que um homem que tem uma Flávia Exímia na sua vida se mostra interessado em saber quando vai vê-la de novo.
Saiu ressabiada, porém faceira. Ha. Flávia Exímia. Vem cá que eu te ensino. Vem.