Tuesday, December 14, 2004

*Mim apreçiar jentilesa, bwana*

Houve um tempo em que acreditei que o amor seria capaz de salvar o mundo e redimir nossos crassos erros. Tocava os pequenos pés do meu bebê e, observando seu corpinho radioso crescer e com ele o sorriso desdentado passando a dentuço passando a metálico, vinha-me de sopetão uma nesga até então desconhecida de esperança. All you need is love, love is all you need.

Mas uma andorinha só não faz verão e os sinais de fumaça que me chegam trazem travo amargo de desprezo raiva ódio indiferença dor desencanto inveja ressentimento mágoa, chagas profundas e abertas. Não há mais doçura no olhar. Desaprenderam-se as locuções "por favor" e "muito obrigado". As janelas da alma pedem vidraceiro urgente, para consertar os vidros quebrados, para trazer de volta o antigo brilho. Sorrisos vagos e rasos são ostentados como máscaras, vestidos das oito-às-cinco por gente que se aborrece tremendamente com o que faz, que odeia a vida que tem, que lá no âmago geme alto entredentes. Palavras bonitas e polidas são diariamente aviltadas por quem as pronuncia em vão, esvaziadas de toda sua infinidade de significados, como bolhas de sabão. O hype da aparência-acima-de-tudo, do the-winner-takes-it-all engendrou uma seqüência de gerações que prescinde ser, e até mesmo ter - a palavra de ordem é: parecer. Não importa que sua conquista tenha lhe levado à lona, o que vale é o juiz erguendo seu punho fechado e sagrando-o vencedor.

É a Era das Vitórias de Pirro.

Os avanços científico-tecnológicos permitem uma miríade de melhorias. Corpo saudável. Apreensão do conhecimento, dos sofistas a Wittgenstein, passando por Camille Paglia, Millôr, Sun Tzu e Lair Ribeiro. Informação que viaja na velocidade da luz. Combate a doenças. Desenvolvimento agrotécnico acelerado. Altíssimo grau de aquisição de cultura pop. Pele lisa. Mãos macias. Que terminam por se associar com sorrisos vagos e rasos, ostentados como máscaras por lábios incapazes de proferir "por favor" e "muito obrigado", encimados por olhos opacos que enxergam mas não vêem.

Bem-vindo à obliteração. Escolha seu veículo e boa viagem. Independe se você quer se alienar mediante profundíssimo estudo filosófico ou preocupação única com as novas cores de gloss para o verão. O fato é que olhamos só e somente só para nosso umbigo. Perdeu-se praticamente toda a capacidade de identificação com o outro e, com ela, vão-se perdendo a empatia, a simpatia, o afeto, a camaradagem, a boa-vontade.

Não se engane, Leitor Amigo. Sou tão terrivelmente alienada quanto qualquer um. Mas *mim ainda apreçiar jentilesa, bwana*. Hate mails, hate comments, hate talk, hate declarations, demonstrações gratuitas e infundadas de super-super-superioridade intelectual, moral e ética e estética e telemática: não, obrigada, ENSO. Já dizia algum sábio oriental que oferecemos o melhor de nós. Se o *melhor* for apenas um monte de bile, prefiro passar sem.

Preste atenção, porém. Não quero sua gentil hipocrisia. É um pouco mais do que isso.