Romancesca - a garota Casanova
Dizia-lhe ele que o diferencial entre o humano e o animal era a capacidade de elaboração, a sublimação do instinto, o desenvolvimento do raciocínio, a aquisição e racionalização do conhecimento. Por isso, quando os instintos dela despertaram do torpor, furiosamente sacudidos por marés hormonais, desencadeou-se todo um barroco processo de elaboração.
Não sabia por que ficava acordada olhando o céu nas noites de verão ou por que fazia questão de que as janelas as escâncaras deixassem que a brisa invadisse o quarto. Era uma tempestade dos sentidos, todos freneticamente aguçados ao mesmo tempo, gestando juntos uma fome pantagruélica nunca vista até então. O desconhecido e o medo do desconhecido. O desejo e o receio, retroalimentando-se num continuum insuportável.
Restara a racionalização. Ela lhe protegeu e guardou e acalentou inúmeros planos e sonhos e projetos, igualmente assustadores. Estava difícil decidir o que era pior. Interrompera-lhe o caminho aquele mar de angústia e, quando acreditava que ia poder atravessá-lo, que mediante mais e mais racionalização as águas permaneceriam abertas, descobriu que mesmo o muito pensar e o pouco agir não as segurava e que ela seria um Moisés mal-sucedido.
Concluiu que deveria se render. A condição humana a exasperava. Os impulsos a consumiam. Não havia momento de paz. Há muito não conciliava o sono. Realizou com cautela e cientificismo as primeiras experiências, colhendo dados e comparando amostras. Estabelecida a margem de segurança, lançou-se integralmente à aventura de redução à condição animal. Atendia de bom grado a tudo que os instintos lhe demandassem, tendo resguardado-se antecipadamente do risco de atentados auto-infligidos contra a vida, a saúde e ao conceito social de honra feminina. Procurou a máxima redução. Buscou incessantemente o mais baixo aviltamento, acreditando que lhe traria libertação.
Nunca soube se o insucesso se deveu à inafastabilidade da condição humana ou ao fato de ter-se contaminado irremediavelmente com a idéia de romance. Abandonava leitos emaranhados coberta de suor e fluidos, com o mesmo semblante inocente da menina que fora, sentindo-se irremediavelmente aprisionada enquanto lembrava canções que contavam sobre coisas que tanto queria, agora muito mais do que a mera libertação da carne. Cantava as melodias sentindo enorme desamparo enquanto caminhava até o ponto de ônibus ou táxi - porque nunca nenhum amante a levava em casa, por mais que insistisse. A solidão era sua prerrogativa, seu refúgio e seu flagelo.
Havia atingido seu objetivo.
Disputavam-lhe as atenções os machos de todas as cepas. Muito mais do que seu corpo queriam seu afeto, para exibi-lo como troféu perante a audiência. Ela observava e sorria um sorriso triste.
No âmago mais escuro e fundo do seu ser, sussurrava a letra de Downstream e descobria que não precisaria de inimigos.
Não sabia por que ficava acordada olhando o céu nas noites de verão ou por que fazia questão de que as janelas as escâncaras deixassem que a brisa invadisse o quarto. Era uma tempestade dos sentidos, todos freneticamente aguçados ao mesmo tempo, gestando juntos uma fome pantagruélica nunca vista até então. O desconhecido e o medo do desconhecido. O desejo e o receio, retroalimentando-se num continuum insuportável.
Restara a racionalização. Ela lhe protegeu e guardou e acalentou inúmeros planos e sonhos e projetos, igualmente assustadores. Estava difícil decidir o que era pior. Interrompera-lhe o caminho aquele mar de angústia e, quando acreditava que ia poder atravessá-lo, que mediante mais e mais racionalização as águas permaneceriam abertas, descobriu que mesmo o muito pensar e o pouco agir não as segurava e que ela seria um Moisés mal-sucedido.
Concluiu que deveria se render. A condição humana a exasperava. Os impulsos a consumiam. Não havia momento de paz. Há muito não conciliava o sono. Realizou com cautela e cientificismo as primeiras experiências, colhendo dados e comparando amostras. Estabelecida a margem de segurança, lançou-se integralmente à aventura de redução à condição animal. Atendia de bom grado a tudo que os instintos lhe demandassem, tendo resguardado-se antecipadamente do risco de atentados auto-infligidos contra a vida, a saúde e ao conceito social de honra feminina. Procurou a máxima redução. Buscou incessantemente o mais baixo aviltamento, acreditando que lhe traria libertação.
Nunca soube se o insucesso se deveu à inafastabilidade da condição humana ou ao fato de ter-se contaminado irremediavelmente com a idéia de romance. Abandonava leitos emaranhados coberta de suor e fluidos, com o mesmo semblante inocente da menina que fora, sentindo-se irremediavelmente aprisionada enquanto lembrava canções que contavam sobre coisas que tanto queria, agora muito mais do que a mera libertação da carne. Cantava as melodias sentindo enorme desamparo enquanto caminhava até o ponto de ônibus ou táxi - porque nunca nenhum amante a levava em casa, por mais que insistisse. A solidão era sua prerrogativa, seu refúgio e seu flagelo.
Havia atingido seu objetivo.
Disputavam-lhe as atenções os machos de todas as cepas. Muito mais do que seu corpo queriam seu afeto, para exibi-lo como troféu perante a audiência. Ela observava e sorria um sorriso triste.
No âmago mais escuro e fundo do seu ser, sussurrava a letra de Downstream e descobria que não precisaria de inimigos.
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