Veja, mamãe! Sem as mãos!É universal: em todo lugar que tem um murinho, uma saliência linear que acompanha o contorno da estrutura, há uma criança caminhando (ou, ao menos, querendo) por cima. É parte insofismável do crescimento, como engatinhar: se a criatura não caminhou o suficiente de mãozinha dada quase sempre com a mãe (esse ser forçosamente paciencioso que passa mais tempo com os filhos), algo lhe faltará. Talvez algo que será resgatado levando os seus pequenos para caminhar infindavelmente sobre a mureta, suspirando de satisfação e alívio por ter restabelecido a ordem natural das coisas.
Está ao alcance de qualquer mãe (e pai) de qualquer condição social - até das mais abastadas, que democrático - atender ao pedido do filho para que se segure a sua mão ao caminhar sobre a mureta. Não custa nada, não dói e requer um mínimo de paciência - por parte do genitor -, de equilíbrio - por parte do filhote - e de tempo. Até porque o jogo da impaciência/desequilíbrio/pressa integra o pacote e é o que gera as dificuldades que vão aumentando, como em um
videogame. Afinal, pensavam vocês que era sempre a mesma muretinha, bem devagarzinho? Não. Não é. Tacitamente as dificuldades vão aumentando, até que -
voilá - um dia o filhote faz o caminho sozinho pela primeira vez. Ele cairá, e faz parte do jogo cair. Se haverá novamente uma mão maternal no meio do caminho, ninguém sabe, nem os próprios mães e pais, que com isso se angustiam às vezes noites inteiras. Sabe-se apenas que é preciso subir novamente para caminhar sobre a muretinha. Dá para caminhar lá embaixo? Ah, sempre dá. Mas sobre a muretinha é bem mais divertido.
E de mureta em mureta, cada um tem a sua. O mundo oferece muretas de todos os tipos e tamanhos, há muretas para todos, e todos com elas se encantam. As muretas desde sempre intrigam o homem, pois ninguém me convence que a Muralha da China foi criada somente para proteção e delimitação: sou convicta de que a prodigiosa Muralha foi sobretudo construída para que se caminhasse sobre ela.
Há quem escolha muralhas, há quem prefira a corda bamba sem direito à rede de proteção. Outros não largam por nada a sarjeta, que é onde a lua se revela e sempre brilha mais veraz. Seja qual for a sua escolha, se foi opção pura ou conseqüência de uma miríade de atos, fato é que se aquela que mais tempo lhe dedicou não tivesse lhe sorrido (às vezes, só assentido) e estendido a mão para garantir o apoio naquela nova empreitada, jamais teria havido uma primeira caminhada sobre a mureta. Haveria, sim, uma apreensão muda, surda e doída: será? e se não for assim? e se não der? e se doer? e se eu falhar?
Se falhar, bem... a mureta continuará ali. Você também. E isso é o suficiente.
Para minha mãe, que me ensinou que a mão para me apoiar estava sobretudo no escuro fundo dentro de mim. Mas que me amparou em todas as vezes em que eu caí. Um feliz Dia das Mães para a Guerreira de coração mais mole desse mundo.