Sunday, January 29, 2006

O que está lá

'Lágrimas na chuva' é uma figura de lingüagem tão recorrente que aparece em Blade Runner - ou se tornou recorrente por aparecer em Blade Runner. Mas não viemos discutir o Efeito Tostines, a idéia é outra. Então, voltando: 'lágrimas na chuva'. É a idéia do que está lá e não é visto porque inserido num contexto que turva a percepção do observador. E é uma falácia total, porque choro não é só lágrima, e só crocodilo é que chora vertendo gotas pela face em total imobilidade. O choro traz a vermelhidão do nariz, o inchaço dos olhos, a tristeza no olhar em sua forma mais pura e bruta. Só não vê quem não quer. Vox populi sabe, vox populi diz: o pior cego é o que não quer ver.

Friday, January 27, 2006

Proteção

O calo se cria quando uma região é superestimulada. Um estímulo pode ser uma coisa aprazível ou não, mas mesmo quando aprazível, ocorrendo em excesso ele cria ferimentos. E os ferimentos, tentando se defender do agente agressor, criam calos. Também podem ocorrer ferimentos que resultarão em calos sem que a região seja superestimulada: basta que ela seja mais sensível, suscetível ou frágil do que o restante, ou do que a média da amostragem que baseou a experiência.

Tem um calo no calcanhar do meu pé. Do lado de fora, parecendo um esporão, mas não é. É um calo. Ele aconteceu porque estava andando muito e usando sapatos planos (ou quase), o que fez com que o peso ficasse incidindo sempre ali no mesmo lugar, e sem meia, e com essa minha pisada meio bruta. Então passei ao usar sapatos com (mais) salto.

Tem um calo na planta do meu pé. Do lado de baixo, parecendo um couro de sola, mas não é. É um calo. Ele aconteceu porque, como fiquei com o calcanhar calejado de andar longas distâncias com sapatos planos (ou quase), passei a usar sapatos com salto e o resultado foi um mero deslocamento do peso, ou da pisada, ou de ambos, gerando um deslocamento do lugar a ser calejado.

Tem um calo na minha alma, que reveste ela quase toda. Fica em volta dela, como uma redoma de vidro, mas não é. É um calo. Ele aconteceu porque fui colocando muito da alma no que fazia, sem me dar conta do alto grau de sensibilidade e suscetibilidade que ela apresentava. Por isso, a alma foi-se ferindo gradualmente, não grandes lesões que acabassem com ela ou a incapacitassem, mas aquelas pequenas (e médias) que são repetidas com freqüência ou, ao menos, com periodicidade, como no dito popular ‘água mole em pedra dura tanto bate até que fura’. Porém, ‘furar’ nunca foi opção para essa alma.

Tem um calo na minha mente. Revestindo-a, um envoltório muito preto, grosso e amorfo – que, na verdade, não protege nada, apenas não permite que quem está de um lado veja o que acontece no outro – como um saco de lixo 10 micras, mas não é. É um calo. Ele aconteceu porque alguma coisa precisava proteger a alma, essa alma mundana com mania de madre teresa, e assim a mente ia na frente e se postava como abre-alas, como infantaria, sempre alerta. Por isso, a mente foi-se magoando em parcelas infindáveis e que não cessavam nunca, como prestações de contrato do SFH: diferidas, inelisíveis e sempre aumentando.

É um processo autofágico, ter uma proteção que não protege.
Nisso, os calos dos pés ganham disparado.

Thursday, January 26, 2006

mural de recados

Leitores Amigos,

no momento *num 'tá dando*. *Num 'tá*.

Aguardem posts bissextos no decorrer do período. Assim que tiver coisa boa, boto aqui. OK?

!Hasta luego!

Monday, January 23, 2006

Meu número

Era assim que ele vinha, aquele sorriso enorme, enorme, parecia que cabia o mundo num sorriso daqueles. Tanto sorriso que a gente sorria junto, porque impossível fazer diferente. Um sorriso Elma Chips. Trazia corpo esguio e musculoso, parecia o Pelado da aula de anatomia, dava para estudar anatomia em braile naquele corpo - e tirar 10 da prova. Ele dançava esdruxulamente as músicas mais esdrúxulas, imitava foca, sapo e comprava balas de goma quando me levava ao cinema. Os olhinhos puxavam para cima até ficar um japa, especialmente ao rir, e isso lhe valeu o apelido de Jaspion, que acabou não pegando. Ensinei-o a usar o alho e ele fez maravilhas culinárias, emporcalhando a cozinha toda. Conseguia ser o motorista mais desastrado de todos os tempos, batia o carro mesmo parado. Tinha a pele dourada e os pêlos dourados também, e um cheiro meio oleoso, uma coisinha rancenta porém deliciosa, e foi com ele que aprendi que ser meio porca tem o seu valor.

Era assim que ele vinha, meio gingando, olhando de lado com aqueles olhos que não são desse mundo, uns olhos oblíquos bonitos demais para serem de gente desse planeta. Os lábios eram absurdamente belos, absurdamente carnudos, carnudos como pêssego e muito mais saborosos do que, feitos para serem mordidos, sugados, dilacerados, feitos para beijarem grandes lábios por horas a fio. Ele dançava como ninguém, jogava futebol como ninguém, é ele a grande perda do futebol nacional. Sabia mover-se com ritmo e compasso perfeitos. Ensinou-me aqueles que foram relevantes durante os anos mais dourados da minha vida e mostrou-me como descobrir o meu próprio. Guiava suas vontades sobre meu corpo como se fosse sua casa, e era, e era. Era, sim. Ele escravizava as incautas com um único olhar e mesmo sendo forte, bem forte, bem robusta e vacinada, eu sucumbi – e quem disse que não sucumbiria, eu daria tudo para sucumbir e de novo e de novo e de novo. Seu corpo forte e alongado de pele muito muito branca foi meu refúgio e perdição durante anos em que partilhamos a pobreza. Nunca a pobreza foi tão rica. Foi dele que me veio a primeira (e única) festa-surpresa de aniversário e o primeiro (e único) elogio realmente elogioso e sincero que ouvi. Tive presentes quando morava na vila mas muito mais do que isso, tive as mais lindas declarações escritas que cobririam com folga o caminho até Ushuaia – e isso de um engenheiro, veja bem – , tive mãos ardentes sobre corpo gélido nas baixas temperaturas de lugares altos, tive seus olhos nos meus e eles brilhavam com a luz de mil estrelas, com a fúria de mil tochas e eu soube, pela primeira (e única) vez, que era amada.

Wednesday, January 18, 2006

Primeva

Assim que era, primitiva, roçando a pele nua na folhagem e conhecendo cada uma delas pelo toque: o arbusto baixo parecia querer arrancar a carne dos ossos com sua aspereza, as folhas pontudas cheirando a limão pinicavam a nuca, a árvore de frutos vermelhos trazia roupagem macia. Sabia dos humores da terra por sentir sua textura na sola calejada dos pés. Via claro o traçado das correntes à beira d'água e um olhar de esguelha já lhe mostrava se o mar seria seu amigo naquele dia ou não.

Escolhia os lugares mais estreitos e baixos para esgueirar-se, não por acaso. Gostava de rastejar, sentir sua barriga esfregando-se no ventre áspero da terra num abraço de amante. Eram amigas. Cuidavam uma da outra, quase sem esperar nada em troca.

A felicidade era aquilo. Tão pouco e era tudo. O solo ao alcance da planta do pé. A areia, a terra e a água em contato com o corpo e nenhuma barreira, nenhum ridículo tecido concebido por franceses, manufaturado por ingleses, cortado por italianos e costurado por tailandeses, a separar do mundo todo aquele cipoal de nervos sensores à flor da pele. A percepção da textura das folhas e a possibilidade de comer frutos suculentos com as mãos, somente com as mãos, o sumo escorrendo pela boca pelo queixo pelo vale entre os seios e desviando do umbigo só pelo prazer de estragar prazeres. E o abraço era tão mais abraço quando sua pele era de damasco e descoberta, e com muito mais gosto aninhava o filho que já não cheirava mais a leite - prenunciando músculos e barbas e ânsias prestes a aflorar. Também com mais alegria aninhava a si mesma nas dobras daquele corpo glorioso que desabrochava dela a cada onze meses. Sentindo o cheiro do sal, do sol, do mar, e o seu próprio cheiro, agora mais calmo e tênue. Um cheiro feliz.

Monday, January 16, 2006

*Érbalaifi*

Quer ganhar peso?
Pergunte-me como.

Thursday, January 12, 2006

Correio elegante

Oi! Tudubem?

Meu nome é Anafranila. Meus pais são muitcho alérgico e fui cuncebida num momentu didiscuido. Tuduasnoiti di sexta-feira, a mamãi tomava banhu cumsabão dicoco e passava álcool 96GL nu corpu tudim pra mode podê recebê o papai, qui vinha didentro di um iscafandro i tirava só a partidibaixo pra mode se irmaná cum a isposa. Afinar, dipois ele tinha qui tomá banho mermo, intaum num si priocupava di eventualmente sicontaminá com as meleca dela. Intaum, eles usava um metodo anticoncepcional muitcho do muderno, qui vem a sê o coitus ininterruptus. Funciona assim ó: o home sente qui vai esporrear pra tudo qué lado intaum tira o seu trumbico didentro da trumbica da mulé e fica lá, frustrado, gozando suzinho, no frio. É purque meu pai tem mania de higiene (ou será hijene, ai, nunca sei...) i nunca gostou dessas coisa de botá matéria no trumbico, sabi. E tumém, ele num confia nisso aí não, acha que vai tá sempre furado ou vai fazê mal. Já minha santa mãi é muitcho relijosa e acha qui a mulé existe para servir ao seu home, e ela tem razaum, intaum ela nunca tomô cumprimido nem nada dessascoisa. Aí, o pai botava o trumbico e michia, michia e a mãe gemia 'ó meudeuso, ó meudeuso', pra modi afastá os pecado do ato, intende? Maisi veiumdia qui o pai siperdeu na micheção e paricia qui ia sisquecê di tirá o trumbico. A mãe gritava disisperada, 'ómeudeuso, ÓMEUDEUSO', e o pai, taum inpolgado, achô qui pela primera vez a véia tava gostano, intaum imocionô e tirô o capassete do iscafandro prá bijá ela e... ispirrô. Purque ele é muitcho alérjico, num sabe. E ispirrô um montidirranhu incima da minha mãe, qui gritava 'ÓÓÓÓMEUDEUUUUUUUSUUUU' e puxava os cabelu tudo, e o pai foi ispirrano, ispirrano e ispirrô tumém uma muntanha de coisa-di-home lá nela e foi assim que eu naisçi.

I sua graça, qualéquié?

Wednesday, January 11, 2006

Master and servant

TRF4 NEGA PEDIDO DO MPF E MANTéM FAMíLIAS CARENTES NO MORRO DA CRUZ EM FLORIANóPOLIS

A 1ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região negou ontem (10/1) o pedido liminar do Ministério Público Federal (MPF) que requeria a retirada das famílias carentes instaladas no Morro da Cruz, em Florianópolis.

O MPF ajuizou uma ação civil pública em maio do ano passado contra o município de Florianópolis. A Procuradoria alegou que o terreno ocupado é área de preservação permanente e o meio ambiente estaria sofrendo danos. Na ação, foi pedida a concessão de uma liminar para a retirada imediata das famílias. (SÓ E SOMENTE SÓ para a retirada das famílias.)

A Vara Federal Ambiental de Florianópolis negou o pedido do MPF. O juiz federal Paulo Henrique de Carvalho entendeu "que não se trata mais de um simples problema ambiental, mas de grave questão social". Segundo ele, o município de Florianópolis não está inerte em relação a esses problemas e tem priorizado projetos habitacionais.

O MPF recorreu, então, ao TRF. O desembargador federal Edgard Antônio Lippmann Júnior, relator do processo no tribunal, manteve a decisão. Para Lippmann, uma "possível determinação judicial que ordene a imediata desocupação poderá acirrar os ânimos na área invadida, frustrando possível acordo entre as partes". O magistrado salienta ainda que a invasão ocorreu há vários anos, inexistindo um dos requisitos para a concessão da liminar, que é o risco de dano irreparável. A área deve assim continuar ocupada até o julgamento final do processo pela Vara Ambiental de Florianópolis.

AI 2005.04.01.030455-0/SC


Deixa ver se entendi: as pessoas estão morando lá há anos e, out of the blue, vem a Procuradoria da República afirmando que elas precisam sair imediatamente da área invadida porque sua permanência acarreta risco de dano irreparável? Irreparável?! E as famílias precisam ser retiradas de qualquer jeito do tal morro, sem qualquer previsão de outro lugar para ficarem, na esperança de que, saindo do local, todas se pulverizem e sejam levadas pelo vento, é isso? Mas por quê? Porque é verão e os turistas vêm aí? Faz muito mais sentido do que a tese de que as famílias de repente passaram a desmatar e poluir abissalmente o Morro da Cruz catarinense.

Tem gente que não estudou Direito; estudou Torto.

(a pergunta que não quer calar é: como é que passam no psicotécnico?)

Oeuvre d'art

Antonio4

Porque a vida imita a arte.
Porque tem coisas que a gente faz até sem sentir e depois olha e se surpreende tocando no fundo de um sentimento que nem sabia que existia.
Porque, se não for assim, de que adianta toda a filosofia, todo o Mastercard, todos os dilemas Tostines do universo?

(Special thanks à Livia, que me abriu os olhos com seus percucientes comentários.)

(Saudades. Saudades.)

Tuesday, January 10, 2006

é...

... são tempos estranhos aqui no MH. Muito estranhos.

Enquanto isso, a pele está num tom dourado suave, vários *papeles* que entupiam a prateleira de livros foram para o lixo reciclável, há silêncios afetivos quiçá perniciosos pairando no ar aqui na labuta, mas eu sei, eu sei. E é, não é?

Perfumes agradáveis foram lançados nos últimos meses, e com meu desvario consumístico por 1)livro e disco 2) perfume 3) sapato, não podia deixar de experimentar. Pois, para mim, second best ain't first loser. Second best sometimes is enough.

Há um enorme white void na seção de 'possibilidades' do horizonte, e tombo de joelhos e praise the masters of the universe, doida de feliz que o void é branco e não preto.

E a Ticcia escrevendo hai-kais em profusão, aqui, aqui e aqui. Borboletas de origami bordadas com fios de seda. Momento 'aaahhhhhhhhhhh' no coraçãozinho dessa que vos escreve.

Mais: vestidos. Vestidos em profusão. Vestidos para suar no calorão do trem. Vestidos que se enfia pela cabeça e sai correndo portafora. Vestidos soltinhos, vestidos compridos, vestidos pelo joelho - que minhas coxilhas não mostro na rua não, moço - vestidos soltos de malha que deixam a pele respirar. Ahhhh, coisa boa ser mulé!

E se dói e se incomoda, bem, alguma hora caleja. Quando incomodar mesmo, meeesmo, daí paro e tiro essa pedra do sapato. Porque pior do que sofrer por opção é fazê-lo sem se dar conta que é de livre vontade. Me deixa. É minha prerrogativa.

Uma mulé muito cheia da prerrogativa, essa.

Saturday, January 07, 2006

take the pill

... e você toma, e você engole, e vai com água ou sem, o que não pode é não ter a mardita marvada descendo goelabaixo e entrando em contato com todos os conteúdos do seu abdome abaulado. Porque ah, a continuidade, a crise, a química, a necessidade, e tudo de bom e de ruim, e viva!!! os efeitos colaterais.

(Quer ser meu colateral? Quer ser meu priminho e brincar de médico ali embaixo da escada escura do porão, onde exsuda um cheiro acre de coisas úmidas secretas apodrecidas, onde as menores aranhas, as mais venenosas, tecem suas teias de finíssima seda?)

É genético, é congênito, e na sua prateleira se empilham migrane buspar anafranil effexor aspirina metacorten parcell prozac cataflam neosaldina asfrenadina merdacon, e ao engolir - sem mastigar - todo o cipoal pilulético, e ansiar pelo tratamento dos sintomas ou, ao menos, pelo fim da dor, tal qual Neo engolindo a pílula azul, você descobre que assim o faz para viver um dia após outro dia após outro dia, e comparecer ao trabalho e à casa dos pais, um dia após outro dia após outro dia, e morrer um pouco a cada vez que olha a prateleira deles cada vez mais entupida de cozaar flotac nortriptilina aspirina anafranil descon antak efortil decadron atenolol viskaldix aturgyl condroflex voltaren spiroctan lasix daflon miosan.

take the pill

just take the pill

Thursday, January 05, 2006

Superstar DJs, here we go!

Susto
"Ooooooooops..."

Ele chegou chegando, sem aviso nenhum, tipo Santa Claus mineirim, com aquele alforje gigante de causo jogado em cima do ombro. Assim assim, sem fazer barulho nenhum, entornou o caldo, bem bonito, em cima de todo mundo.

So it is. E se a vida me dá um caldo, buenas, então eu faço uma pessegada. Um papo-de-anjo. Uma ambrosia. Uma compota de pêssego quase tão caudalosa quanto a lambança.

Paciência, paciência...

Wednesday, January 04, 2006

Gotta be strong, 2006

I've got a life, though it refuses to shine.
I've got a life it ain't over.

I've got a way, and it's the only thing that's mine.


Such a crime to be unkind.

Turn your cheek.

Pretend your blind.

Ele não podia ter acertado mais. É por isso que NTVSTA, Cup-O-Cofee Guy.