Espada como símbolo de poder: semiótica que se manteve através dos séculos. A espada de Salomão apurava a verdade no seu gume ao apontar a possibilidade da perda do objeto da querela
(talvez o julgamento mais verdadeiro da História). A espada de São Jorge encarnou o ideal de pureza católico apostólico romano, provando que com bravura - e com dízimo - a Besta seria vencida. A espada da era medieva vinha entalhada com diversos símbolos de proteção - o símbolo no símbolo no símbolo, uma coisa quase egípcia -, que resumiam e indicavam as crenças, os totens, os tabus, as castas, os clãs e tudo o mais que constituía seu portador. Quase sempre era passada de pai para filho, incorporando os valores máximos daqueles que a fizeram e mantiveram - fossem bons ou ruins, eram válidos. É esse o fetiche da espada arturiana incrustada na pedra, que somente poderia ser removida por aquele que fosse suficientemente bravo e virtuoso - e aí confundiram o conceito de legitimidade ativa com o de efetivo credor: estão vendo, não é de hoje que se embaralham os conceitos de parte material com o de parte processual e mais ainda. E mesmo a espada de Elektra, a Assassina, traduz a força do ícone quando, na
graphic novel, a protagonista narra que há metal em suas mãos, metal aquecido e dobrado e prensado milhares e milhares de vezes, até ficar mais fino que o ar, capaz de cortar qualquer coisa.
Não é à toa que a Justiça é uma mulher vendada que equilibra uma balança na ponta de uma espada. Aliás, quem dera assim fosse, concretamente. E no mundinho tecnocrático dos
so called operadores do direito, muitas vezes a espada
É a lei. Rudolpf von Ihering escreveu um livrinho que todo academicozinho de direito lê no primeiro semestre: A Luta Pelo Direito, onde se vale da condição arquetípica da espada para inspirar ideais de bravio e cavalheiresco embate sociocultural em busca daquilo que ele propõe seja justiça - algo que todo mundo discute, invoca, pensa que entende, mas ninguém sabe definir o que é.
O mais curioso de tudo é quando a espada da lei é chamada a destrinchar situações que a técnica é capaz de resolver, mas não de solucionar. Neste sedizente
sáite, a
notícia sobre filhos e filhas que obtém dos pais indenizações e custeio de tratamentos psicológicos e psiquiátricos sob o fundamento de abandono afetivo e material. Coisa inimaginável cerca de vinte anos atrás. Diriam:
ora, abandono afetivo, quem é que sabe do afeto que tenho por ti, senão eu? Em tempos de constitucionalização do dano moral, da evolução do modelo jurídico de família e da sedimentação do princípio da boa-fé objetiva como norteador do direito privado, o que vale é o que se FAZ, não mais o que se DIZ. E assim é que filhos e filhas sofredores, privados da convivência com a figura paterna, refugados como uma ninhada de gatinhos a ser afogada no tanque mais próximo, reivindicam seus direitos e apresentam a conta de anos e anos de carinhos não dados, de reuniões de pais não comparecidas, de natais ausentes e de aniversários esquecidos, magoando de morte aquele que é o órgão mais sensível da anatomia humana: o bolso.
O efeito mais positivo da condenação ao pagamento de indenização por dano moral é a conseqüência do caráter pedagógico: verificando que a adoção da conduta acarreta perda patrimonial significativa, a pessoa (física ou jurídica) opta por não mais repeti-la. É pavloviano. Funciona. Mas será esse o tipo de amor maternal ou paternal que almejamos? Sim, ame seu filho, compareça àquelas abomináveis reuniões de pais - na verdade, um pretexto para terapias catárticas de grupo -, esteja presente em todos os natais possíveis e imagináveis, leve seu rebento na natação, no ballet, no judô, faça os teminhas de casa junto com ele, e jamais esqueça do beijinho de boa noite. Pois isso poderá lhe custar caro no futuro. Muito caro.
Seria a perfeita ocasião para um julgamento salomônico. A não ser pelo triste inconveniente de que os pais provavelmente ficariam aliviados ao ver a cria ser partida ao meio.