Sunday, March 26, 2006

Allegro ma non troppo

Ela não sabia, mas ele era músico. Enquanto dela jorravam petições das pontas dos dedos de unhas esmaltadas de vinho-escuro, a dois quilômetros os dedos dele, sem esmalte algum (e graças a deus pelas pequenas gentilezas), acariciavam as teclas do piano de parede, fazendo aquela estranha amante de madeira e cordas emitir murmúrios, suspiros e gritos de gozo.
Da primeira vez que as mãos dele a tocaram não soube emitir sonido algum. Anos de brincadeiras desastradas de mãos destreinadas haviam desafinado seu corpo, de modo que em algum lugar distante e abafado ressoava alegre (e bem baixinho) o simulacro do som daquele afago. Pressentiram que havia trabalho a fazer e não tiveram mãos a medir: eram as mãos de músico descobrindo novas sonoridades naquela carne que já não era de menina, e mãos de operária das letras experimentando escalas e pequenas variações no corpo de quem se acostumara a tocar e não a ser tocado. A música exige muito. Há que se estudar, é preciso dedicação. Por isso, passavam horas, dias inteiros, fechados em quartos escuros, suando, comendo pouco, febris e ocupados com novas melodias. Às vezes, ele andava pela casa com a pele toda nua, na redescoberta liberdade dos seus próprios sons secretos, e ela sorria por tê-lo despido, claro e cansado, enchendo aquele lugar enorme com as harmonias de sua voz e de todos os sonhos mais espúrios que trocavam na calada da noite.

Thursday, March 23, 2006

Papa was a rolling stone

Chegando agora da sessão de cinema, The Matador. A princípio, kinda disappointed porque Pierce Brosnan estava totally canastrão mode on, com bigodinho e corrente de orodorado no pescoço.

Mas oh! gostei bastante. Não é oscarizável, não é revolucionário, não é de chororô. É divertido e tem doses gostosas de realidade: quem nunca teve um amigo cafajeste que aparece do nada à porta e tasca um abraço de urso, e acaba sendo até bom? LWG, lembrei-me taaanto de você, até a risada, cabrón, até a risada é a mesma. Quem nunca teve vontade de jogar tudo para o alto e desistir e só não desistiu porque, veja só, a mão amiga daquela vez não estava no final do próprio braço? E quem, diga aí, não desejou ardentemente solucionar seu problema cortando o mal pela raiz?

Oh sim. Se todos os problemas fossem iguais a você.

Sunday, March 19, 2006

férias?

Por que tenho enxaqueca, se estou em férias?
Por que estou cansada, se estou em férias?
Por que essa moleza toda, se estou em férias?
Por que a preguiça de sair por aí incendiando a cidade, se estou em férias?

Talvez férias não sejam tudo isso, afinal.
Ou estou esperando demais.
Ou é mesmo muito cansaço - e aborrecimento - acumulado, tipo uma craca na alma da criatura.

(Me passa o DidiSeven aí?)

Saturday, March 18, 2006

tchibum!

oi, estou ocupadíssima com as férias. arrumando tudo o que quebrou - em casa e aqui dentro. botando fora tudo o que não serve mais - em casa e aqui dentro.
sim, mil idéias pra escrever. qualquer hora dessas. quando você menos esperar, Leitor Amigo.

enquanto isso, fique bem você aí. não brigue com as outras crianças na hora do recreio, a menos que seja aquele valentão covarde metido a besta. lave as mãozinhas antes das refeições e escove os dentes antes de dormir. e não deixe, nunca, de dar aquele beijo. sempre dá tempo, e qualquer motivo é motivo.

Wednesday, March 08, 2006

nesta data querida

Hoje é o dia da mulher. Sim, é.
Quem veio aqui no ano passado, nesse mesmo dia, sabe que eu não celebro o dia da mulher. Não mesmo.
Porque, oras, celebrar dia em que mulher que trabalha virou churrasquinho por ter reivindicado direitos. Parece que todo o mundo, no mundo inteirinho, desde sempre, precisa que a desgraça venha bater, socar, surrar sua porta para ter a mínima condição de se dar conta de obviedades, como a necessidade de condições igualitárias e dignas de trabalho, de segurança pública, de educação e ensino, de saúde.

Porém, sei da minha insigne insignificância e que não importa o quanto esperneie, o quanto discurse, o dia da mulher continua sendo o dia da mulher e isso alavancará vendas e arrancará parabénszes a mim dirigidos pelas pessoas mais estranhas. Por isso, nesse dia tão filisteicamente rendido em homenagem, faço a minha mediante a única conduta que considero nessa data pouco adequada: solidariedade incondicional.

Sou solidária a você, mulher loira, alta, magra e linda, que conquistou meu ex-marido quando eu ainda o amava e agora ocupa o lugar que já foi meu. Sou solidária a você, mulher mais jovem e cheia de energia, que, conforme hoje descobri, agora ocupa o lugar que eu ocupava junto à pessoa por quem mais nutri afeto em toda a minha vida profissional. Sou solidária a você, mulher mais bem-sucedida, mais bem-amada, mais bem-amealhada de bens de toda sorte, que tem a preferência afetiva dos meus pais e teve a minha até, durante todos os anos da minha infância e de sua juventude, e isso nunca lhe foi caro ou importante. Sou solidária a você, mulher idosa e tão bela que a vida toda desejei que me desse colo e que me refutou sistematicamente, como se eu não fosse sua filha. Sou solidária a você, mulher da minha idade, de beleza indescritível, inteligência aguçada e talentos muitos, que me armou uma chicana que resultou na minha dispensa sumária. Sou solidária a você, mulher bem mais velha e muito vivaz e sapiente, que entendeu que eu era apenas uma peça de uma engrenagem e que podia ser perfeitamente jogada fora como tal. Sou solidária a você, mulher pequena de olhos escuros brilhantes, que espalhou notícias peçonhentas e inverídicas com a efetividade de uma broadcast da CNN. Sou solidária a você, mulher morena miúda e meio tapada, a quem tanto ajudei e que agora me trata com um misto de profundo desprezo e nojo.

Sou solidária sobretudo a mim mesma, olhando para a frente e não para dores infligidas no passado. Porque, independentemente de quantas vezes tenhamos errado e de quantas pessoas se feriram no processo - e elas se ferem, muito, posso assegurar - nós merecemos saúde, sucesso pessoal e profissional, amor, dinheiro, tranqüilidade e orgasmos múltiplos.

A todas as mulheres da minha vida, incondicionalmente.

Friday, March 03, 2006

Rather peculiar

"Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue."

Docemente intimada pelo Cup-O-Coffee Guy – amore, o que você não pede chorando que eu não faço sorrindo, sorrindo muuuuito, me diz? – lá vou eu contar para você, Leitor Amigo, a diferença entre A Verdadeira Maionese e uma belly genérica qualquer.

1. Escovo os dentes enquanto faço qualquer outra coisa, ao mesmo tempo. Passo aspirador, arrumo cama, dobro roupa, cozinho, lavo, converso, falo ao telefone. Com relativo êxito. Os dentes? Ah, eles ficam limpos, sim. Não tanto pela boa escovação, mas pelo tempo que fico escovando, sabe.

2. Sou fóbica social e fujo desesperada de quem eu mais gosto. Família, amigos, não importa. Às vezes, até dos gatos lá de casa eu fujo: boto a gataria toda para fora do quarto e fico sozinha lá dentro. No começo, eles magoavam. Agora, continuam magoando, mas acostumaram. A única pessoa de quem não consigo fugir é o Antonio, mas isso é porque ele ri de mim quando rosno para ele.

3. Coço as costas despesperadamente quando tiro a roupa, especialmente se estava com muita roupa. Com a peculiaridade de que coço as costas in a very monkey style. Sim, isso mesmo: com os braços dobrados, os cotovelos levantados na linha dos ombros, posiciono as pontas dos dedos – na verdade, a ponta das unhas – pouco abaixo das axilas, o mais para trás que consigo – porque se não for para trás daí não serão as costas e sim as laterais do tronco – e esfrego para cima e para baixo, estendendo e flexionando os braços. E é uma delícia! I’m the real Wild Honey.

4. Leio. Leio tudo, inclusive o que não quero. Leio bula de remédio (sério), folheto de supermercado, jornal, revista, livro bom, livro ruim, pulp fiction comprada em sebo (amo!). O livro é o meu favorito disparado. Preciso sentir o papel na mão, quer coisa mais gostosa que um livro? O cheiro do livro quando recém sai da gráfica, aquela coisa estalando de nova ali, se esparramando na mão como um gatinho dengoso. O cheiro do livro de sebo, aquela coisa amarelada, poeirenta e apergaminhada que traz o aroma do próprio tempo guardado nas fissuras do papel das suas páginas. Se não leio, não consigo existir. Não consigo dormir sem ler uma frase que seja antes. O livro é um amigo portátil que está sempre disponível e sorridente. O livro faz companhia e enleva o amigo leitor em suas histórias, com a vantagem de que não dá o trabalho que alguns amigos às vezes dão: livro não choraminga, não pede dinheiro emprestado, não tem crise existencial, não se apaixona pelo seu amor, não acampa na sua sala quando termina o casamento, não bate seu carro, não come toda a sua comida, não-coisa-nenhuma. E, diversamente do cigarro, ler não faz mal à saúde.

5. Eu brinco. Com criança, com velho, com adulto e com bichinhos. Brinco com Antonio, com os amigos de Antonio, com os meus amigos, com os meus pais, com os gatos lá de casa, com o cachorro dos outros, com quem quiser brincar. Brinco com o mesmo gosto e abandono que brincava aos três, cinco, sete anos de idade. Brinco de pegar, de esconde-esconde, jogando jogos de tabuleiro, de videogame e de computador. Jogo baralho, jogo bola (muito mal) e até peteca. E, às vezes, brinco até de trabalhar – mas não espalha.

And now, the Oscar goes to...
Milton Ribeiro e
Livia Camille Bleue, que nos presentearão com sua prosa sempre poética - mesmo que os hábitos eventualmente sejam tremendamente prosaicos.
Cynthia Feitosa, minha escritora favorita.
Cordelie Kael & Mulhera, aplomb & nonchalance.
e
I am Evil, 'cause Evil is witty, Evil is fun. Evil is everywhere.

Thursday, March 02, 2006

Respingos

--> Depois de uma série de olhares especulativos para as regiões mais carnudas do corpo feminino a cada vez que passava na frente dela, minha mãe comprou o livro e me disse que, se ficasse ofendida, não precisava ficar, podia trocar ou deixar lá mesmo. Detalhe: eu estava à mesa, comendo camarão. Suspirei, pensando "lá vem algum farisaico livro de dieta. vou trocar." Mas era o livro de Trinny e Susannah. Fotos altamente explicativas, comentários very british. Inclusive da senhora minha mãe, que, enquanto eu folheava encantada, disse "presta atenção na gordinha, tá?"

--> Sign o’the times: poderia ter ficado chateada, mas não. Adorei o presente e fiquei muito feliz. Porque finalmente aceitaram que SIM, sou roliça, e não sou menos filha, menos eu ou menos atraente por causa disso. Diria até que sou mais atraente por causa disso. Mas aí é questão de gosto. Bom gosto. ;)

--> Camarão, eu gosto tanto! Ah! (suspíris de felicidadis!)

--> Estar no limbo incomoda só até certo ponto. E pode ser bom. O limbo é melhor que os sete círculos do inferno, é um spa enquanto as coisas não se definem – sim, porque elas definir-se-ão, lamentavelmente. Porque acho que preferia um limbão por um bom tempo. Meu limbo tem cor de uma agüinha clara mas meio suja e cheiro de álcool aromatizado com hortelã. Meu limbo é repousante, refrescante. Não é relaxante, o que já seria pedir demais. Não tem afago nem chute, não tem comunicação alguma, é de uma limpeza atroz. Estou no limbo e é como se eu não existisse. Para os outros. Quase um sonho realizado.

--> Starsky & Hutch tem o melhor documentário de todos os tempos. Melhor do que o filme, also.

-->Assista esta coisa só e somente só para constatar como alguém que faz algo TÃO BOM! pode, em seguida e novamente com ótimo elenco, fazer algo tão execrável. Pensando bem, não assista não. Não. NÃO assista.

-->"Café da manhã é acquired taste, benzinho". Gostar de coisas douradas também. Depois vicia e você nunca mais se liberta. Nunca nunca nunca nunca nunca mais, e que assim seja.

--> Caracterísicas pulam uma geração. Taí uma afirmação na qual não levava a menor fé e que acabei por comprovar na prática. O que é o guri telefonando de dez em dez minutos para perguntar a mesmíssima coisa, senão a avó dele, escrita e encarnada? Eu digo: cadê a minha netinha? No que depender de mim, vai ser o exu. Caveirinha. (uma coisa top model.)

--> Digam os Católicos Apostólicos Romanos o que quiserem: os pecados são pagos em material escolar.

Wednesday, March 01, 2006

East of the Sun, West of the Moon

A – Hm.... é um filme que não dá para dizer logo de cara se gostou ou não. Não é? Super conceitual, surreal, meio delirante...
B – É. O filme é ruim MESMO.

A – Ela é muito espontânea, tem uma maneira peculiar de ver as coisas e é sempre muito sincera com todo mundo...
B – É. Ela é totalmente sem noção.

A – Ele é fisicamente avantajado de uma forma bem oblonga.
B – Sim. Ele tem obesidade mórbida.

Por óbvio,
A = gentil e meiga criatura do sexo masculino, budista.
B = crua e cruel criatura do sexo feminino, agnóstica.